terça-feira, outubro 06, 2009

A tempestade

 

Não é nem que a tempestade esteja a caminho, ela claramente já chegou.
Todo mundo que viveu os anos 80 e começo dos 90 no Brasil com idade
suficiente para saber o que acontecia ao redor treme de pensar que
aquele tempo cheio de pacotes econômicos nefastos, inflação
desvairada, demissões em massa e economia paralisada pode estar se
instalando outra vez.

É que outra vez estamos sendo lembrados que nossa capacidade de criar
o Céu na Terra é risível. Outra vez nossas certezas são varridas para
baixo do tapete e nos vemos carecendo loucamente de esperança para
ocupar o vão deixado por elas.

Há sete dias eu experimentei uma tempestade bastante pedagógica. Foi
uma tempestade literal, com chuva e vento. Aproveitando uns poucos
dias de férias, estava na praia com a família e amigos. Decidimos
fazer uma caminhada por uma linda trilha no meio da mata, cortada de
quando em quando por praias belíssimas. Nosso destino era uma dessas
praias quase desertas (em janeiro, no litoral norte de São Paulo, nada
é propriamente deserto). Nos instalamos sob a sombra de uma jaqueira,
as crianças foram nadar, os adultos aproveitamos para mergulhar pelas
pedras admirando a criatividade divina expressa em todas aquelas
espécies de peixe. Estava tudo ótimo, até o céu se fechar num negrume
repentino e ameaçador.

Rapidamente recolhemos tudo e começamos o caminho de volta, mas antes
mesmo de chegar à ponta da praia a chuva já caía em toneladas. A saída
foi pedir a um barqueiro que nos levasse à praia maior. Ajeitei meu
caçula de um ano e dez meses no "sling" e aboletamo-nos no barquinho.
A água caía em diagonal, bem na nossa face e fazendo tanto barulho que
ninguém conseguia escutar o que o outro dizia. Peguei um colete
salva-vidas e coloquei de forma a proteger meu filho. Ele estendeu uma
mãozinha para enlaçar meu pescoço, afundou a cabeça no peito e assim
ficou.

Em menos de dez minutos estávamos na praia. Quando pulei do barco,
percebi que o Davi estava dormindo serenamente. Como eu, todo mundo
ficou maravilhado com o fato. Além de ser uma ótima propaganda do
sling (um suporte para bebês parecido com o que as mães africanas
usam), o fato denotava uma verdade solene: a tempestade não era
aterrorizante para quem estava nos braços do pai. Nada de trauma, de
dor e medo, apenas descanso confiante.

Quando chegamos à casa dos amigos ali perto, eu ainda com o Davi
dormindo no sling, todos enveredaram para o lado direito em direção à
ducha e eu resolvi ir para o lado esquerdo. Notei um tanto
instintivamente que havia algo no chão – talvez um graveto - e então o
pulei. Ao olhar para trás, contudo, vi, pasmo, que havia acabado de
pular por sobre uma cobra, que mantinha a cabeça de pé, em posição de
espreita. Não sei dizer se ela era venenosa ou não. Só sei dizer que,
sob aquela tempestade, fui assim lembrado de que eu também estava nos
braços do Pai. Que eu também podia descansar.


Marco Aurélio Brasil, 23/01/09

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