domingo, abril 08, 2012

O Quarto


De quando sentiu a primeira dor ao leito do hospital foi rápido, em 3 meses sua condição não permitia mais ficar em casa como todo mundo, necessitava ser observado, cuidado.
Não tinha medo da morte, acreditou sempre num algo maior, num Deus que cumpre sempre suas promessas e que não deixaria sua existência se perder assim pra sempre. Seu coração sentia uma paz constante e sabia pra onde iria.
Sempre foi uma pessoa sincera, honesta, do tipo que olhando para aquele leito nos leva a pensamentos de conhecer tanta gente ruim que poderia estar ali, mas não ele, não aquele homem menino que sempre quis o bem dos seus próximos, sempre moveu mundos e fundos em prol dos outros, nem que por isso ele próprio tivesse que sofrer e aguentar firme engolindo sempre os choros da vida.
O horário de visita era pouco pra tantas manifestações de carinho que recebia, sua presença sempre fora agradável para todos, intermináveis conversas, fossem elas sérias ou descontraídas davam sempre um gostinho de que pena que acabou, e agora não era diferente, sua cama e sua condição não eram nada porque seu sorriso sempre estava estampado de bochecha a bochecha.
O som do elevador com aquela campainha que toca sempre que ele chega no andar foi ouvida por ele, já era o finalzinho do horário de visita, os corredores estavam vazios e por isso conseguiu ouvir os passos do salto alto batendo no piso, neste mesmo momento sentiu um calafrio de cima a baixo, conhecia de longe aquele andar, sabia exatamente quem era, seu sentido foi confirmado quando o cheiro dela chegou perto da porta, sim, aquele perfume.
Quando ela disse oi seus olhos brilharam e sua face mudou, bem baixinho ele respondeu com sua voz timida. Aquela rocha toda se derretia toda vez que estava na presença dela, amor platônico, de alma mesmo, brevemente correspondido, mas perdido entre as diferenças e medos desse mundo.
Fazia tempos que não se viam, se amaram talvez no primeiro dia que se viram. Ele havia passado uma vida não acreditando no amor a primeira vista pra num dia só de faculdade cair por terra toda sua crença. Talvez não fosse amor de amor mesmo, do tipo que convive, que passa tempo, mas aquela sensação de estar diante de tudo aquilo que gostaria pra si. Aquele observar do tipo empático, que percebe não o que se é dito mas as atitudes, gestos, expressão corporal. Que olha no fundo dos olhos e vê a alma que num simples 3 segundos ou 7 e é capaz de descobrir os segredos mais íntimos, o sentimento mais escondido.
Gostava do jeito dela se vestir, de como se movia, do seu sorriso por entre aquelas bochechas carnudas e um pouco rosadas, sentia o cheiro de pele. Bastava olhar para o outro lado da sala pra se perder na matéria e não saber nem ao certo o que o professor estava a dizer a 1 minuto atrás.
Alguns anos depois se encontraram nos caminhos estreitos dessa vida, no mundo pequeno que sempre gira e gira e acabada nos trazendo sempre ao mesmo lugar, coisas da vida, talvez roteiros Divinos nunca entendidos por nós simples mortais. Descobriu o gosto do seu beijo, a maciez da sua pele, o toque das suas mãos, o fundo da sua alma. Sentiu o seu afago, o seu abraço e a preocupação que ela tinha com ele, algo tão querer bem, tão querer quem se tem e tão intenso que era assustador.
Não podia conviver com as idas e vindas, com toda aquela erupção de um minuto para a dúvida e o medo do outro. Queria poder contar, poder dizer ao mundo, se libertar de qualquer medo que sempre tira o gostinho da verdadeira felicidade. Aquele destruidor que nos deixa tão inseguros a ponto de não querer mais, pois se não for por inteiro não serve em pedaços, em metades.
Viveu, seguiu a vida como achava que devia ser, aprendeu, ensinou, riu, chorou, cantou na chuva, correu pelo corredor lotado, apaixonou-se, dormiu vendo as estrelas, dirigiu a toda velocidade pela madrugada, comprou aquele chocolate caro mais delicioso. Fez tudo isso até chegar ali, naquela cama, naquele hospital.
Ela não disse mais nada, não precisava. Apenas deitou do seu lado na cama e segurou sua mão. Olhou para seus olhos e sentiu algo bom em ver o sorriso dele tão sereno, tão angelical.
O horário de visita havia acabado, mas mesmo assim ela ficou. Não conversaram sobre o passado, não fizeram perguntas um ao outro, não falaram apenas uma palavra sobre tudo que acontecera. Não era necessário, não tinha razão e muito menos sentido. Ficaram apenas vivendo intensamente a presença um do outro, aproveitando os últimos momentos que poderiam passar juntos pois seriam esses mesmos que ela teria para guardar. Não era tempo pra se lamentar pelas escolhas erradas e nem se arrepender de não terem passado mais tempo juntos. Seguiram caminhos opostos e agora tudo aquilo serviria somente pra ela lembrar.
Dois dias depois ele partiu, deixando a saudade de sentir seus lábios. Partiu num suspiro igual ao que ele dava quando olhava para ele por algum tempo sem dizer nada. Simples assim. Ela ainda segurou sua mão gelada por algum tempo, finalmente pode se entregar as lágrimas que tanto havia segurado naqueles dois preciosos dias, pode chorar como nunca havia chorado, como nunca mais haveria de chorar.
Seu último pensamento naquele quarto foi da felicidade que levaria pro resto da sua vida de ter feito parte dos ultimos momentos da vida dele, de ter podido se despedir, mas ao mesmo tempo teria que conviver com a tristeza de ela não mais fazer parte da vida dela e de quem sabe ter estado presente no seu ultimo momento, depois de muitos anos de intensa felicidade, de amor, mas não aquele amor de amar que acaba, mas de alma, aquele que é um só e que por algum momento foi jogado fora, mesmo que tenha sido sem querer.

Por André Lenz.

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