Olhando assim de longe, com olhos
mirando o sorriso, a leveza dos passos acompanhando as horas, a
delicadeza ao esconder a franja atrás da orelha, mal se sabe da bagagem
muitas vezes pesada, que nos acompanha na travessia.
O amor costuma deixar rastros, pegadas, marcas duras que sobrecarregam a
singela malinha reformada em vivos tons florais que levamos no
entrelaçar dos dedos, ao longo da vida. A gente pega tudo aquilo que um
dia doeu, machucou, feriu, negligenciou, e coloca ali, naquela mala
cheia de flores radiantes, que é pra lembrar que até na dor se consegue
algum perfume.
Nos bares, na balada, no cinema, no
jantar com as amigas, lá está ela, nossa doce pintura floral recheada de
medos, receios, lágrimas, despedidas, resquícios de chegada, beijos que
selaram partidas, a nos lembrar aquilo que os grandes poetas já
previam, o amor pode vir bem de mansinho a nos dilacerar de novo.
Penso nos passarinhos que nos cortejam
com a sinfonia do amanhecer mesmo ainda de janelas fechadas, pois sabem
que o dia chega para todos, mesmo que a noite seja um pouco mais longa
para alguns.
E como as melhores coisas da vida,
surgem assim, em acasos afortunados, a mocinha da padaria retribui seu
sorriso na fila do pão, o cara do elevador resolve te auxiliar com os
milhões de papéis ou simplesmente aquele gato/a da rede social da sua
irmã te envia uma solicitação de amizade acompanhada de um convite para o
jantar de quinta feira. É o amor pedindo passagem. É o amor com uma pá,
uma vassoura e uma chave pra destrancar o cadeado dessa bagagem tão
friamente lacrada a cada ida e vinda.
A mão se estende acompanhada de um
inquestionável sorriso no olhar, mas logo o braço recua. É que dá um
medo danado se apaixonar de novo. No meio de um monte de cacos,
estilhaços, mágoas, dores, aparece alguém com uma “super cola”, um
sorriso lindo e diz: levanta menina! Um milhão de decisões equivocadas,
atitudes impensadas e impulsos desconexos passam pela nossa cabeça e
você hesita. Hesita, porque cicatriz de amor é uma das coisas mais
difíceis de se carregar na bagagem. Não tem roupa, cachecol, colar ou
armadura que esconda a marca eterna daquilo que não ficou. E a iminência
do amor, traz também muitas vezes, o presságio de uma nova ferida.
Daí a gente olha para o lado e tem a
amiga traída pelo namorado, o rolo inconsistente da mesa ao lado, o
beijo sem sentimento do cara balada, todos os sms não correspondidos e
pensa: não seria emocionalmente mais prudente caminhar sozinha?!
De fato seria. Mas ai tem também aquela
amiga radiante com os preparativos do casamento, o pedido inusitado de
namoro de dois desconhecidos no corredor da faculdade, a troca de
olhares amorosos do casal de amigos no bar, e todo o medo que motivava o
receio some, como num doce passo de mágica. Os pequenos requintes de
delicadeza como o gorjeio de um bem-te-vi pela manhã, nos fazem lembrar a
parte mais importante do amor: aquela que não dói.
É verdade o que dizem por ai: amor é
coisa de gente corajosa, amor é coisa de dois. Talvez por isso seja tão
absurdamente difícil criar vínculos com alguém. Não basta haver
oportunidade, tem que existir troca, predisposição. Tem que existir
parceria. Aquela que você troca sua bagagem pela do outro por livre
arbítrio e juntos, libertam para o mundo todas as pétalas mortas,
daquela flor, que um dia foi um suave buquê. Ao invés de bagagens, mãos
dadas. Ao invés de peso, leveza. O amor antes um pássaro engaiolado,
agora, permite-se ser livre.
Penso nos passarinhos da janela, na saudação do bem-te-vi, em primeiras, segundas e terceiras chances, penso em passarinhar.
Se o passarinho vier: dê passagem,
ofereça sua bagagem e abra os caminhos. Porque amor de verdade se a
gente deixar, muda a vida da gente. Passarinhe, aninhe, ame por aí…
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