Olhei-a ligeiramente, olho no olho, numa
profundidade visual que só nela eu tive coragem de mergulhar. Não disse
nada, nem precisava. Queria apenas tocá-la com meu olhar e, com isso,
deixar bem claro o quanto eu estava ali, presente de corpo, alma e
coração. Olhei-a fixamente nas retinas e
assim, sem emitir qualquer grunhido ou som, mostrei o quanto eu estava
perto o suficiente para protegê-la de qualquer possível tempestade e
longe o bastante para não matá-la sufocada com minha ânsia de tê-la
sempre comigo.
O relógio não parou e os minutos
passaram enquanto naquela mesinha de plástico, ao ar livre, dividíamos,
sem medo, uma generosa porção de silêncio. Tínhamos a imensidão do mar
bem ali, a areia que se escondia entre nossos dedos do pé, uma brisa que
parecia soprar nossos problemas para bem longe e o sol, lindíssimo
astro que vagarosamente preparava o último grande ato do dia.
Aquela cena muda não era sintoma de fim
de namoro, pelo contrário, era indício de solidez em nosso
relacionamento. A falta de palavras era opcional e a boca fechada não
incomodava nem gerava a mínima insegurança. Não precisávamos caçar
assunto como faz um par nos primeiros encontros. Naquele dia,
descobrimos que estávamos prontos para dividir muito mais do que a cama e
que sobreviveríamos sorridentes e ilesos aos inevitáveis
compartilhamentos de silêncio, sem sofrer com a falta de falas e sem
precisar iniciar uma broxante conversa de elevador.
Pode parecer apenas um minúsculo
detalhe, mas graças a essa quietude destemida, percebi o quanto ela era
uma pessoa especial, e mais, entendi um dos elementos necessários para a
sobrevivência de uma relação amorosa: o conforto essencial para o
surgimento de longas convivências.
Não estou falando da maciez de uma
barriga ou da dureza de um colchão, nada disso. Em uma relação
verdadeira, conforto é capacidade de encontrarmos aconchego na simples e
muitas vezes silenciosa presença de quem amamos. Um peito cômodo ou um
braço aconchegante podem até sustentar menores e mais frágeis laços, mas
os grandes e duradouros vínculos precisam de presenças confortáveis
para sobreviver.
O amor verdadeiro sobrevive à falta de
palavras, de novas piadas, de velhos assuntos, mas debate-se
desconfortavelmente quando encontra-se sem a presença agasalhadora do
ser amado. Saudade é o desconforto gerado pela falta daquela presença
estupidamente confortável.
Essa não é uma conclusão só minha, pois até mesmo o sangrento Pulp Fiction apresenta um diálogo incrível sobre esse silencioso tema:Mia: — Você não odeia isso?
Vincent: — O quê?
Mia: — Silêncios desconfortáveis. Por que sentimos a necessidade de tagarelar besteiras para ficar confortável?
Vincent: — Não sei.
Mia: — É quando você sabe que encontrou alguém especial. Quando você pode simplesmente calar a boca por um minuto e dividir o silêncio confortavelmente.
Por Ricardo Coiro
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