Você provavelmente já trombou com o
Reclamão. O Reclamão é aquele cara cujo hobby preferido é reclamar. Ele
não sabe muito bem fazer outra coisa tão bem na vida então, quer tenha
motivos ou não, ele reclama. Se está Sol reclama do calor; se chove,
reclama da barra da calça molhada. Se viaja, reclama do trânsito; se não
viaja, reclama do tédio. Se acha o
restaurante legal, dá um jeito de reclamar do garçom; se o garçom é
exemplar, reclama da família ao lado que não para de dar risada. O
Reclamão também é muito bom numa arte: de reclamar do seu trabalho.
Reclama do chefe, do computador, da cara da recepcionista, do cliente
pentelho. Diz que odeia seu trabalho e sempre que alguém o confronta com
a básica pergunta “Então por que você não vai fazer outra coisa?” , ele
dá um jeito de inventar uma outra reclamação qualquer pra justificar a
falta de atitude.
Sujeitos como o descrito no parágrafo
acima representam uma categoria de pessoas bem curiosa: as que (como
qualquer um) podem mudar a sua realidade mas, por algum motivo difícil
de entender, não o fazem. São mestres na arte da auto-sabotagem. A
escolha está 100% nas mãos deles, ninguém os arranca todos os dias da
cama e os obriga a cumprir a sua rotina. Eles escolhem o jogo, definem
as peças do quebra-cabeças. Mesmo assim, seguem odiando suas vidas e
reclamando delas. Esse é somente mais um exemplo de auto-sabotagem que
acontece com mais frequência do que desejaríamos que acontecesse. Se
você não fica atento, quando viu, já arrumou um jeito de se sabotar.
Pode ser até com as coisas mais simples, do tipo, repetir exaustivamente
coisas como “eu sou péssima em fazer baliza” ou “o que mais que vai
acontecer de ruim hoje?”, o que só faz com que esses status se
materializem.
Nos relacionamentos pessoais, também
encontramos os mais diversos exemplos de auto-sabotagem. Como aquelas
pessoas que vivem dizendo que adorariam ter um parceiro pra vida toda,
mas que justificam a não realização desse sonho porque não conseguem
confiar nas pessoas. Mesmo que sem perceber, elas passam a agir com
parceiros em potencial como se de fato eles realmente não fossem
confiáveis, e ficam testando-os através de afirmações como “Será que ele
ficaria comigo mesmo se eu fosse mandona e desagradável o tempo todo?” É
como se elas quisessem provar para si mesmas que são um fracasso nessa
área da vida, e nesse jogo maluco entre a emoção e a razão fazem
profecias que, obviamente, cumprem sua função: se tornam realidade.
Ninguém, de fato, consegue ficar com alguém tão mandona e desagradável
assim.
Tem também os que ao se apaixonar, criam
logo um estereótipo do que buscam em alguém e o projetam nessa pessoa.
Assim que conseguem concretizar o relacionamento, começam a se ver
frustradas pois, obviamente, o outro irá, dia após dia, desapontar as
suas expectativas, afinal ela não está se relacionamento com ele e sim
com uma imagem do que gostaria que ele fosse. Ela fica triste porque ele
se esqueceu do aniversário de dois meses e se frustra porque na sua
imaginação, criou um cara super romântico. Ele cozinha e não lava a
louças e ela se frustra porque projetou nele a ideia de um homem
organizado. Ele dispensa os programas dela de família e ela mais uma vez
se zanga porque criou na sua cabeça uma versão dele que adorasse seus
parentes. Ela não perguntou se ele concordava com nada, mas mesmo assim
tomou essa liberdade. Parece coisa de gente louca e psicopata, mas todo
mundo já agiu um pouco assim em diferentes níveis. O único antídoto para
isso é – sempre que se sentir frustrado em relação ao outro, parar,
respirar rosa, e perguntar: estou bravo por algo que ele é ou por algo
que eu gostaria que ele fosse?
Outro exemplo clássico é o do cara que
diz que não acredita que ninguém consiga de fato ficar somente com uma
pessoa na vida. Daí ele passa a ter relacionamentos extra conjugais
porque tem certeza que sua esposa também fez ou fará isso em algum
momento. Isso é uma certeza dele, uma conclusão dele, mas talvez se ele
parasse para discutir isso com ela perceberia que ela tem uma opinião
bem diferente sobre esse assunto: acredita sim que é possível controlar o
desejo de ficar com outras pessoas em nome de um amor. Inclusive, nos
diversos relacionamentos que teve antes dele, sempre conseguiu levar na
boa o fato de ter que ficar com uma pessoa só. Ou seja, em vez de ter um
relacionamento “eu-você” ele passa a ter um relacionamento “eu-eu”
porque pressupõe que ela vai reagir sempre como ele reage.
Há sempre uma forma de nos
auto-sabotarmos se nos descuidarmos por alguns instantes. Fazemos isso o
tempo todo, sem mesmo notar. Colocamos a pedra no nosso próprio
caminho, quebramos nossas próprias pernas, compramos um sapato de número
menor que o nosso pé, jogamos uma mochila de 200kg nas nossas próprias
costas, sempre com a bizarra intenção de nos frearmos rumo a linha de
chegada da felicidade, do prazer, do amor. Às vezes nadamos nadamos e
morremos na praia, vendo o cara na areia tomar uma caipirinha, quando o
que mais queríamos é estar lá também. Nos esquecemos que estamos com uma
pedra que nós mesmos amarramos em nossos pés e que impede que cheguemos
à superfície. Só quem pode desatar esse nó somos nós mesmos. Ter
consciência desse fato já nos coloca passos à frente num caminho
diferente, o da auto-realização. Encarar os nossos fantasmas de frente é
a única forma de fazer com que eles despareçam ou que, pelo menos,
fiquem quietinhos num canto sem causar estrago.
Por Casal Sem Vergonha
Um comentário:
Texto fino.Arguta observação. Parabéns.
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