Decidi mudar. Não dá mais para continuar sofrendo quieta, de agora em
diante vou pagar na mesma moeda. E se tiver que ficar devendo, tudo bem.
Não é assim que as pessoas vivem? Pelo que sei, todas elas dormem bem
tranquilinhas à noite, quando repousam seus cabelos cheirosos nos
travesseiros com cheirinho de amaciante e têm bons sonhos. Chega de me
estressar, de ficar angustiada, de tentar resolver, de amenizar,
apaziguar, dar um jeito. Se não tem jeito, dane-se. Nem sempre o remédio
aparece, às vezes a vida é que cura as nossas pequenas doenças.
A verdade é que o cansaço tomou conta, não tem razão para continuar
nessa farsa eterna, nesse tormento sem fim. Chega, se os outros não se
colocam no meu lugar não faz o menor sentido eu continuar me colocando
no lugar dos outros. Na vida é assim: é dando que se recebe, é fazendo
que se consegue, é deixando pra lá que se deixa pra lá. Sei que meu
papinho está de botequim, depois que a gente toma umas e outras e
resolve soltar a língua, trazer à tona velhos desabafos, pensamentos,
impressões e sugestões. Já reparou que quando estamos de pileque
resolvemos dar sugestões para quem está na nossa mesa, na mesa ao lado,
transeuntes, garçons e quem mais se atravessar no nosso caminho?
Então, é isso: estou de pilequinho sem ter bebido, apenas senti uma
vontade louca de dizer que não quero mais viver nessa palhaçada toda.
O ser humano é imundo, sim, muito egoísta e só pensa nele mesmo. Ninguém
tem a coragem de abrir bem o olho, pegar uma lupa e analisar cada
probleminha do outro, ninguém pensa se aquilo que está dizendo vai
ofender, ferir, magoar ou devastar a outra pessoa. Todo mundo quer falar
e hoje em dia todos têm algo a dizer, ainda que ninguém ouça. Ninguém
se importa se não for ouvido, o que querem é abrir a boca e vomitar
palavras. Por isso, hoje estou no embalo do povo: vomitando.
Uma hora a ficha cai e a gente resolve apertar no stop. Fazer papel de
boba, pra quê? Não, não, agradeço, mas dispenso. Não quero mais dar
valor ao que não pode ser tão valorizado. E me pergunto: por que diabos
eu sou tão mongolóide e sinto? Meu Deus, como é ruim sentir. Hoje em dia
a moda é exatamente o inverso: não sentir. Não sentir, não se importar,
não tentar, não se preocupar com quem está em cima, embaixo, ao lado,
na porta da frente. A moda é olhar para si mesmo, fechar as janelas e
esquecer todos os temores do mundo. Por isso, me despeço e digo que vou
junto com eles.
(Então eu me belisco forte, vejo que tive apenas um ataque de fúria,
passo a borracha no que disse e sigo sentindo. Porque isso é o melhor
que a vida nos oferece.)
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