Segunda-feira chuvosa em São Paulo.
Trânsito caótico. Estava afogado em um imenso e interminável maremoto de
carros, ônibus, caminhões e todo tipo de obstáculo capaz de fazer com
que eu perdesse a sessão de cinema, para a qual eu rumava naquele dia
cinza. O expediente também não havia sido nada bom.
Tinha suado sangue para cumprir os prazos impostos pelo cliente e
adivinha? Depois que entreguei o pedido, descobri que aquilo era somente
para próxima semana. E mais, naquela manhã, derrubei quase um litro de
café fervendo em cima do meu saco, ou seja, além de fritar minhas amadas
bolas, ainda passei o dia inteiro ouvindo piadinhas bobas, feitas pelos
meus colegas de trabalho. Eles diziam: “O Ricardinho ficou menstruado,
virou mocinha”. Enfim, tudo conspirava pra que meu dia fechasse com
chave de merda. Morreria de ataque cardíaco no trânsito, sem chance de
realizar meu último pedido, que era obviamente sair dali de helicóptero.
Logo que ela entrou no meu carro,
inteiramente linda e cheirando o mais aromático dos xampus, ela olhou
pra mim e, graças ao poder da intimidade verdadeira, reconheceu o
estresse estampado em minha testa e, sem que eu precisasse dizer uma
palavra ou sair na mão com algum motoboy na rua, ela me fez a mais
aliviante das propostas: disse que não estava a fim de ir ao cinema e
sugeriu que subíssemos e víssemos um DVD ali mesmo, na casa dela. Sem
filas, sem estacionamento lotado, sem esperas. Ela cedeu, fingiu não
querer sair e mais: se dispôs a deixar aquele vestido lindo,
recém-colocado de lado, e trocou-o por qualquer pano velho. Palmas para a
tecla SAP mais importante dos relacionamentos: a tal intimidade.
Ao contrário do que muitos simplistas
pensam, intimidade é muito mais do que ficar pelado e não ter vergonha
de balançar o pau mole na frente da amada. Intimidade é reconhecer o
significado do silêncio e da quietude de quem se ama. É olhar para o
lado e saber que ela precisa de um abraço urgente ou que necessita
apenas que você se afaste e a deixe só. Intimidade é saber a hora de
manter o toque naquele mágico ponto e ser capaz de fazer isso, graças ao
timbre do gemido dela e à contração contínua daquela coxa que você
aprendeu a observar intimamente. Intimidade é conseguir adentrá-la, sem
que ela precise abrir a porta ou mandar convite escrito em formais
letras douradas. Intimidade, de verdade, é o sexto sentido que os laços
precisam para um atar suave e de menos atrito. É uma junção harmônica de
cores distintas. Intimidade não nasce com o casal e assim como nas
artes marciais, precisa ser conquistada com muito treino, dedicação,
mistura de suor e principalmente, atenção aos sinais cotidianos emitidos
por quem se ama. Digo mais, intimidade não tem nada a ver com fazer
cocô de porta aberta, pois mesmo em um casal, com intimidade adquirida,
sempre haverá momentos de individualidade e esses deverão ser
preservados e respeitados.
Não pense que é fácil ser faixa preta
nessa tal intimidade. Nem ache que para isso basta o despudor ou a
coragem para conter-lhe seus segredos mais obscuros, isso não é
intimidade. Para ser íntimo de alguém, você precisa manter os olhos bem
abertos e só assim entenderá qual tipo de sorriso ela soltará de acordo
com cada peculiar situação. É mais que isso – para atingir essa sintonia
verdadeira, você precisa manter os ouvidos iguais aos de seu cão. Não
basta fingir que está ouvindo e pensar na morte da bezerra, enquanto ela
fala com você. Deve-se escutar cada palavrinha e, só assim, perceberá
os desabafos implícitos no discurso despretensioso dela. Se quiser
intimidade, precisa estar realmente encostado nela, não apenas
penetrado, no sentido sexual, mas de pele colada, de mãos dadas, de
nariz roçando, pois só assim será capaz de entender do que ela tem medo e
fará isso apenas devido ao sutil apertar dos dedos dela em sua mão.
Intimidade é estar apto a ler os sinais
mais complexos do outro. É saber fazer um pedido de casamento utilizando
apenas uma simples piscada e tornar-se capaz de compreender o bê-á-bá
escrito pelos sorrisos de quem se ama.
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