Pode me chamar de filho da mãe. Pode
pensar em me chamar de todos os palavrões que aprendeu na escola e fora
dela. Pode gritar, espernear, fazer com que todas as suas amigas me
achem um grande imbecil-canalha-idiota-brocha-insensível e tudo o mais
que vier à mente. Você pode jogar as minhas coisas da janela e deixar os
carros passando por cima das minhas roupas.
Mas isso não vai mudar o fato de que acabou. Não vai mudar o fato de
que nós dois não somos mais “nós”. Que a gente foi e foi pra sempre
mesmo. Mesmo que sempre seja uma palavra tão pontual que devamos evitar
como o tal do nunca.
É o que todo mundo faz. No final, é
comum que a gente tenha essa separação – de bens e de perspectivas –
quando olha pro rosto de quem tá dando adeus. Salvo exceções (dos
crápulas e babacas que você já encontrou por aí), a maioria não merece
ser violentada assim. Com tanto rancor.
A vitimização é um processo comum pra
acalmar a dor. Ela exige que a gente dê um tapa na cara do outro sem
luvas. Que é pra esbofetear e deixar alguma marca. Porque, no fundo, a
gente acha que não é justo. Ainda mais se a outra pessoa se for sem que a
gente queira. Então é a medida compensatória que a gente acha pra dar
conta. Coração palpitante e a raiva que vem pra passar por cima da tal
tristeza. A gente precisa infringir algum tipo de dor ao outro pra se
sentir melhor. A gente precisa manchar um pouco a imagem de quem tá
indo, pra gente arrumar alguma desculpa ou falha de caráter – do outro –
que justifique o término, o abandono, a superação rápida, o desalento e
todas essas pontas soltas que nos deixam sem saber como reagir.
Por isso eu entendo. Entendo você e entendo outros milhares que caminham de cabeças baixas e olhos agressivos por aí.
Não é porque eu terminei com você que eu
seja o maior filho da mãe da história do mundo. Não é porque eu
resolvi tirar as coisas de casa e dar uma volta pelo mundo que o inferno
agora sou eu – ou os outros. Mas a falta tenta arrumar justificativa
pra ficar. Senão seria tudo muito bem resolvido num tchau e benção. Daí a
tal síndrome de Tom e Summer. Você com uns tons a menos de voz de tanto
se esgoelar pra falar mal de mim, e eu sumo. Naquela velha dicotomia de
mocinho e vilão, sabe? Parece que o mundo precisa sempre definir um
lado bom e um lado mau da coisa.
Então pode me chamar de filho da mãe.
Assumo a culpa inexistente se isso fizer você se sentir melhor. Mas não
existe razão pra isso, meu bem. Eu fui – como você poderia ter ido e
como muita gente se vai – e o mundo continua. Não tem motivo pra ficar
brava comigo nem pra transformar essa dor toda em acusação. O amor
verdadeiro está na renúncia e eu renuncio de você em respeito a tudo o
que vivemos. Que existiu, que foi lindo, mas que – como tudo na vida –
teve um fim. Dizer que não deu certo seria blasfemia, deu sim, certo
demais, mas acabou. Como um filme bom que toca a gente mas acaba. Ou
como livro que a gente tenta em vão ler devagar pro fim não chegar. Eu
me detestaria se continuasse aqui por pena. Seria uma traição comigo e
com você. Eu vou e eles também se foram um dia desses. Porque o lado
triste do amor é que alguém sempre vai – e aposto que algum dia você vai
também.
Por Daniel Oliveira
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