É muito estranha essa tara que o ser humano tem pelo julgamento. Mesmo 
sem querer, num piscar de olhos, estamos julgando o parente distante, o 
amigo de infância, o colega de pilates ou a vizinha do apartamento ao 
lado. E aqueles que levantam a bandeira do julgar-é-feio, 
inevitavelmente, já julgaram uma pessoa ou outra.
O que acontece conosco? Por que é tão fácil e simples falar do umbigo do
 outro ao invés de olhar para o nosso? Sem papas na língua, ajeitamos a 
vida de quem atravessa nosso caminho. Resolvemos problemas, oferecemos 
soluções Miojo. Em três minutos tudo fica resolvido. Em meia dúzia de 
segundos dizemos que o problema do casamento da Fulana é que ela não dá a
 atenção que o marido precisa, que o filho da Beltrana é mimado porque 
assim que ele chora ela pega no colo. 
As pessoas esquecem que cada um tem uma cabeça, uma vivência, um motivo,
 um padrão de funcionamento. Na verdade, as pessoas esquecem de olhar 
para o seu rabo. É muito mais fácil ficar sentadinho tomando uma Coca 
zero e debatendo sobre os quilos extra que dona Maria ganhou nos últimos
 meses. Difícil mesmo é se despir e se encarar de frente. Se eu falo 
tanto do outro é porque algo dentro de mim está desarrumado, 
desajustado, desorganizado. Se eu quero tanto resolver o problema alheio
 é porque não faço questão de pensar no meu, é porque insisto em tapar o
 sol com a peneira, é porque olhar para a nossa sombra é um processo 
doloroso.
Minha vida, segundo o que ouvi hoje, é perfeita. Tenho um apartamento 
bonito, um homem que me ama, uma cachorrinha amorosa, um trabalho que me
 dá prazer. O que mais eu quero? É tudo tão bom, tudo tão bacana, tudo 
tão legal. Não tenho direito de ficar triste nem de reclamar, tenho 
tudinho ao meu dispor. Tsc, tsc. Já cometi o erro de dizer que 
determinada pessoa não tinha motivo para queixas. Esqueci que não tenho 
superpoderes nem o dom de ver alguém por dentro. Não sei das cicatrizes,
 das feridas que não fecham, do que foi dito e ficou tatuado, da pedra 
que incomoda o sapato a cada passo. Não sei das noites em claro, do 
motivo das olheiras, da saudade da infância, da falta do gosto, da 
palavra que não foi falada, do sentimento que não foi revelado, da 
vergonha guardada no canto da boca. Eu não sei o que o outro traz a 
tiracolo. Então, me esforço e me calo. Guardo para mim os pensamentos. 
Antes eu era uma inconsequente. Julgava a torto e a direito. Até que a 
maturidade resolveu me puxar a orelha. Ei, para com isso. Para de pensar
 que pode tudo, afinal, você não é nada. Ei, sossega, cuida da sua vida.
 Então parei. Parei e resolvi cuidar do meu umbigo. Das minhas falhas, 
acertos, tropeços e anseios. Deixa que do outro ele mesmo cuida. 
Não tenho nem o direito de invadir espaços que não são meus. Não sou uma
 divindade, tampouco juíza. Por isso, me recolho. Sou um grão de areia 
no meio dessa imensidão toda. E não admito que alguém dê palpite na 
minha vida, que nada tem de perfeita. Tenho reticências que vivem 
pegando no meu pé, alguns parágrafos incompletos, frases que começam sem
 nexo, textos que não se desenvolvem, ideias que mudam de lugar, pontos 
finais e sílabas que não se casam. Tenho lá minhas melancolias, minhas 
músicas bregas, meus choros inexplicáveis, meu humor que anda de 
gangorra, meus momentos de surto e solidão. Porque sou humana. E isso 
explica tudo.
Por Clarissa Correa 

 







 
 
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